A cinqüenta anos da revolução cubana
Quando iniciarmos o primeiro dia do novo ano se cumprirá os cinqüenta anos da revolução triunfante em Havana com a qual culminou a luta de 26 de julho encabeçados pelo Fidel e o Che.
Os psolistas não podem duvidar em afirmar que a revolução cubana foi o acontecimento mais importante acontecido em nossa "Pátria Grande" Latino-americana. Talvez possamos divergir sobre apreciações de seu regime político, da política internacional seguida pelo Fidel em certos periodos. Mas o concreto é que foi um movimento tão poderoso e tão genuíno para que hoje Cuba seja o único país do chamado “socialismo real” que existe e do qual não só podemos reivindicar sua história como também seu presente; Cuba mantém suas conquistas sociales e seu orgulho de ser independente do imperialismo a menos de cem milhas de suas costas.
Como forma de recordar essa revolução e esse momento histórico transcrevemos um artigo do Olmedo Beluche do Movimento Popular Unificado do Panamá. Do mesmo queríamos destacar sua lembrança da Celia Hart, falecida faz uns meses, que fora também amiga e simpatizante entusiasta do PSol, e que morreu afirmando uma idéia que resgata Olmedo em seu artigo e muitos de nós. Que o futuro da revolução cubana se decidirá principalmente no que ocorra na luta Latino-americana em curso; na continuidade e aprofundamento dos processos da Venezuela, Equador, Bolívia… dos quais nos sentimos parte.
Pedro Fuentes
Cuba, cinquenta anos na primeira linha de combate
Por Olmedo Beluche
Em memória de Celia Hart Santamaría
Neste momento de júbilo, em que os revolucionários do mundo comemoramos cinqüenta anos da Revolução Cubana, me sinto triste pois nos faz falta uma de suas melhores combatentes e seu mais puro produto: Célia Hart Santamaría. Célia foi a ligação, por herança e vontade própria, entre a geração do Moncada e a que deve portar o legado revolucionário e socialista neste século que começa. Sendo talvez a melhor propagandista que já teve a revolução, soube manter uma consciência crítica tão necessária nesta conjuntura decisiva que atravessam Cuba e a América Latina.
Ainda que o desânimo me afete, a condição humana me impede de escapar dos sentimentos, assumo a tarefa de dedicar estas linhas de reflexão a um dos acontecimentos mais importantes da história mundial, na certeza de que Celia cumpriria esta tarefa muito melhor. Ela, certamente nos citaria Che: "Em qualquer lugar que nos surpreenda a morte, bem-vinda seja, sempre que esse nosso grito de guerra tenha chegado a um ouvido receptivo, e outra mão se levante para empunhar nossas armas, e outros homens comecem a entoar cantos de luta com sons de metralhadora e novos gritos de guerra e de vitória."
Uma grande revolução
Recentemente um amigo cubano, dos emigrados e críticos, me dizia que no século XX só houve três autênticas revoluções: a russa, a chinesa e a cubana. Eu só agregaria a vietnamita e lhe daria toda a razão.
Até os que são críticos ao regime cubano não podem deixar de admirar, seja em foro intimo ou privado, o peso histórico desempenhado por esta pequena ilha no cenário mundial durante este meio século. Uma revolução democrática contra uma ditadura agente do imperialismo ianque que foi se tornando socialista enquanto se radicaliza produto da agressão estrangeira, onde as massas populares não deixaram de ser protagonistas nas ruas em nenhum momento. Um pequeno barco que, em que pesem todas as tormentas e apesar dos pesares, não naufragou em um mar onde outros navios afundaram.
Um processo conduzido por Fidel Castro, com uma biografia já mítica, que começa como dirigente estudantil, passando pelo Moncada e a prisão, ao banimento e a Sierra Maestra, à tomada do poder, sabendo mover-se entre os interesses das duas potências que regiam ao mundo para sair-se com a sua, até o momento presente quando contra todo prognóstico, manteve o socialismo enquanto Rússia, Europa Oriental, China, inclusive o Vietnã, retrocederam ao capitalismo.
Uma revolução a 50 milhas do império norte-americano que atravessou todas as fases do modelo clássico das revoluções, como dizia Nahuel Moreno: uma primeira fase (revolução de fevereiro) onde as massas insurrectas derrubam um regime ditatorial movidas por consignas democráticas (reforma agrária, democracia política, soberania econômica); uma segunda fase ( Revolução de Outubro) a partir da Segunda Declaração de Havana em que se começa conscientemente a construção do socialismo como a única forma de sustentar -se frente a agressão estrangeira e poder realizar as demandas democráticas.
Com a diferença, em relação a Revolução Russa, de que a condução sempre esteve nas mãos de Fidel e do Movimento 26 de julho, ainda que tenha tido seus "mencheviques" e "eseristas" internos, que pularam do barco entre uma fase e outra.
Inclusive, como todo processo revolucionário autêntico teve seu Termidor, ainda que breve, controlado e superado parcialmente, ao início dos anos 70, quando assassinaram Che na Bolívia, fracassando o intento de se criar "dois, três... muitos Vietnam", e fracassada a safra de dez milhões de toneladas, a Revolução Cubana se viu obrigada a aceitar certos condicionamentos dos burocratas do Kremlin em troca da ajuda econômica necessária do Bloco Soviético (o CAME).
Quando o movimento 26 de Julho passa a ser o Partido Comunista de Cuba retornam certas figuras estalinistas, como Blas Roca, que haviam estado fora do processo revolucionário em 1958. O chamado "quinquênio cinza" segundo a União dos Escritores e Artistas de Cuba (UNEAC) como nos recordara Celia em um de seus últimos artigos ("Cuba em marcha revolucionária... e sem Fidel"). Fase que o próprio Fidel corrigiu em grande medida em sua Retificação de Erros e Tendências Negativas, segundo nos recordou Celia também.
... que transcende a nível mundial
Mas o que dá seu peso histórico à Revolução Cubana é sua transcendência internacional. Na América Latina faz 50 anos que vivemos sob o signo desta revolução. Sua influência naquela geração foi imediata. Ela possibilitou não só os intentos revolucionários dos anos sessenta, em que uma camada de jovens, do México à Argentina entregaram suas vidas inspirados em sua influência.
Como não recordar neste momento de quem, à sua maneira, também foram seus filhos: Santucho, Miguel Henríquez, los hermanos Peredo, Camilo Torres, Floyd Britton, Carlos Fonseca, Cayetano Carpio, as guerrilhas do estado de Guerrero no México, na Venezuela, Uruguai, El Salvador, em todo continente, tantos milhares! E à sua maneira, ou de outra maneira: Salvador Allende.
A Revolução Cubana fez pensar e atuar milhões. Também colocou o debate sobre a teoria e a praxis. Recordo as inflamadas polêmicas: maoismo x estalinismo; foquismo guerrilheiro x trabalho de massas; abstencionismo x participação eleitoral; "via pacífica ao socialismo"x "revolução socialista ou caricatura de revolução".
No Panamá, no mesmo ano, um grupo de jovens inspirados pela Revolução Cubana chegaram até Cerro Tute, em Santa Fé de Veraguas, sob a liderança de Polidoro Pinzón. Cuba alimentou espiritualmente aos estudantes panamenhos que nessa década escreveram a mais gloriosa página de nossa história, sem a qual não seriamos o que somos neste pequeno istmo: a Gesta de 19 Janeiro de 1964 contra a presença do imperialismo ianque na Zona do Canal.
Mas o processo cubano não limitou sua influência neste lado do continente, também chegou à juventude norte-americana, a que se opôs a guerra do Vietnã, ao movimento estudantil universitário, a do paz e amor, ajudou a amadurecer o Movimento pelos Direitos Civis e a lideres como Malcom X, aos chamados Panteras Negras, cujos lideres mais conseqüentes seguem jogando um papel importante na política dos Estados Unidos.
Cuba mudou a sociologia norte-americana, pondo fim ao predomínio da conservadora teoria estrutural funcionalista, dando origem a uma vertente marxista com Wright Mills encabeçando a mesma.
Não há dúvidas que Cuba também esteve no coração dos jovens europeus de Maio de 68. E deveria se verificar, não me corresponde fazê-lo, até que ponto pôde influenciar em processos revolucionários antiburocráticos como a Primavera de Praga. Ou quanta força moral deu aos vietnamitas para seguir resistindo e derrotar as bombas do império mais poderoso da história inspirados por aqueles caribenhos que os tinham como exemplo?
Enfim, a história do mundo não se pode compreender sem tomar em conta o que foi realizado por esse grupo de jovens barbudos naquela pequena ilha há 50 anos. Seus atos foram inspiração, ainda durante a pesada noite do neoliberalismo dos anos 90, quando perversamente se dizia que "o mundo havia mudado e o socialismo estava morto", nos que resistíamos a entregar as bandeiras olhávamos para Cuba para provar que outro mundo é possível.
O futuro de Cuba se joga hoje na América Latina
Passado todo esse tempo, superados tantos obstáculos, depois de vencer tantas lutas, sustentar-se firmemente na primeira linha de combate diante de tantos sacrifícios, não garante que tudo já tenha sido superado e que o futuro de Cuba socialista já esteja escrito. Moderem seu otimismo os ingênuos. Cuba e sua revolução atravessam neste momento uma hora decisiva, outra mais. Novos debates e problemas se apresentam na ilha.
O próprio Fidel advertiu, em 17 de novembro de 2005, e Celia nos recordou: "a revolução cubana era possível de derrubar-se de dentro, por nossas próprias carências. Era o início de uma nova batalha. Uns meses depois teve que deixar seu protagonismo, pois adoeceu gravemente. As perspectivas daquele discurso estão ainda abertas e não creio que todos façam a mesma leitura.
As simpatias que sentimos por Cuba, sua revolução e seus líderes, não podem ser pretextos para negarmos as debilidades, dificuldades ou "carências" do sistema cubano. Fazer o contrário à maneira estalinista de pretender maquiar a realidade para pintar um falso quadro que estamos "às portas da fase superior, do comunismo"seria não só um ato de irresponsabilidade, seria um ato contrarrevolucionário.
Nós revolucionários, preferimos a sinceridade, como a daquele funcionário do PCC que não faz muito tempo me dizia "em Cuba nenhum dirigente ignora os problemas, o que acontece é que nem sempre sabemos como resolvê-los".
Problemas que foram postos em evidência este ano por três furacões, um dos quais nos levou a Celia, mostrando as debilidades de sua economia em duas áreas chave: infra-estrutura de suas habitações e produção de alimentos.
A sociedade Cubana é socialista por seus objetivos históricos e não porque atingiu sua meta. Porque socialismo, no sentido pleno da palavra, ou seja, uma sociedade que garanta a todos os seres humanos a satisfação de suas necessidades biológicas e espirituais, só será possível como um sistema mundial que reparta equitativa e racionalmente as riquezas, como já disse Leon Trotski.
Enquanto o mundo estiver controlado pelo sistema capitalista, o imperialismo, ou seja, pela extração de mais-valia da classe trabalhadora e uma divisão da riqueza pela via do mercado, a desigualdade social e nacional seguirá prevalecendo. Este determinante externo faz de Cuba e sua revolução, no sentido estrito, uma sociedade de transição ao socialismo, não uma sociedade socialista.
Por isso, literalmente o futuro da revolução Cubana se joga hoje, não só nas decisões que se tomem em Havana, com as reformas empreendidas por Raúl Castro, mas nos processos revolucionários da Venezuela ou Bolívia, na ALBA ou o Mercosul.
O debate sobre a economia cubana
Como sociedade em transição ao socialismo, a economia cubana tem duas alas: uma socialista e uma mercantil. Cada uma das quais se expressa em duas moedas: o peso e o peso convertível. Por uma o estado garante os mínimos serviços e alimentos ao povo, por outra, em um mercado oficial ou subterrâneo muitas vezes, pela via mercantil os cidadãos adquirem (os que podem) os bens que não estão entre os mínimos.
A parte socialista da economia cubana garante ao cidadão comum o mínimo para a vida o que mostra a grandeza e as possibilidades deste sistema, o que desejam os bilhões que padecem de fome
Em todo o mundo: uma alimentação básica, subsidiada pelo estado, energia elétrica e água quase de graça, saúde, educação e cultura. Isso se expressa na justeza do slogan: " Na América Latina há milhões de crianças de rua, nenhuma delas é cubana".
Celia defendia à morte a "cartilha” ou "caderneta de racionamento", como uma conquista, apesar de muitos vê-la com ódio. É claro que numa sociedade de plena riqueza e completamente socialista não se justificaria uma caderneta de alimentos e serviços mínimos. Mas como essa sociedade não existe, a caderneta garante aos cidadãos uma divisão mais equitativa da riqueza social.
A contradição é que a cartilha, com todas as suas limitações (não dura o mês inteiro), recorda ao povo que se vive em um país pobre e, além disso, violentado pelo bloqueio, mas é sob a forma de uma "economia de guerra" que se assegura o bem-estar de todos, sem esquecer de nenhum. Em Cuba ninguém mendiga nem morre de inanição. Quem dera que pudesse se falar o mesmo nos Estados Unidos e no Japão.
O problema colocado e que se debate intensamente em Cuba, e que foi o mesmo que se discutiu nos anos 20 na URSS, é como encontrar o equilíbrio entre ambas caras do sistema, como equilibrar a equação, em um momento em que o socialismo mundial não chegou, nem se vislumbra a curto prazo (e, portanto, nem o fornecimento de bens para garantir abundância para todos os cidadãos).
O dilema é que o estado não tem capacidade de garantir "a cada qual segundo a sua necessidade", portanto há que permitir certo jogo da economia mercantil, consciente de que o mercado implica em disparidades sociais, a exploração de classes e se te descuidas, a restauração capitalista completa e a derrota da revolução.
Por isso Celia Hart advertia no artigo que já citei: "A estratégia da revolução Cubana não pode ser "enriqueçam" como promulgou o Comitê Central do Partido Comunista da República Popular da China em um de seus congressos. Assim acabaríamos com todo este empenho". Agregava: "Mudar tudo o que precisa ser mudado em Cuba, para que não mude o que não pode ser mudado, para não ser morto".
Ou seja, como sustentamos o processo revolucionário iniciado quase cinqüenta anos sem perder sua essência socialista? Volto à Celia: "O aprofundamento socialista da revolução, sem usar as armas do capitalismo, e um inabalável internacionalismo são o caminho. O futuro interminável da revolução mais linda está lá, sabendo por que fracassaram as demais..."
Nesse acalorado debate que há em Cuba encontro coincidências e matizes entre a posição de Celia e o interessante setor que encabeça Pedro Campos. Coincidências em que há que dar a maior participação e co-responsabilidade possível aos próprios trabalhadores como entes ativos da direção e autogestão nas empresas, que me parece ser a proposta central de Campos. Mas o eixo da política econômica, na perspectiva de Celia, está na planificação centralizada.
Ela disse: "Se necessitamos incrementar por razões táticas o trabalho privado em Cuba, coisa que pode ser perfeitamente, isto deve ser acompanhado por um incremento mais pesado do "plano único" que propuseram Trotski e Che.
Cita a Che: "Se esquecer que a planificação é a primeira etapa da luta do homem por adquirir pleno domínio sobre as coisas...de tirar do homem sua condição de coisa econômica". E cita Trotski sobre a NEP através de Isaac Deutscher: "... precisamente porque o país voltava a viver uma economia de mercado, devia tratar de controlar o mercado e de preparar-se para exercer o controle".
Por outro lado, a tese que pretende que socialismo equivale a estatização total da economia não tem sentido, ao menos na fase de transição. Nacionalizar ao barbeiro ou a manicure é absurdo. A estatização da economia cem por cem foi uma medida tomada por Stalin para assegurar o controle político da sociedade, e logo se converteu modelo.
Na transição ao socialismo é inevitável a existência de um segmento mercantil ou privado da economia e , posto que existe, apesar da proibição, é melhor oficializá-lo para poder controlá-lo. Isso não é incompatível com a planificação central e a estatização da grande industria que é o que propunha Marx.
Ao final, dá para ser otimista. A condução política e o povo cubana saberão encontrar as melhores soluções para os problemas.
Vários fatos se apresentam como positivos: ao que parece a crise norte-americana levará ao novo governo de Obama a cumprir sua palavra de abrir diálogo com a ilha; além disso, os processos políticos abertos na América Latina seguem fortes, apesar das sabotagens, e se fortalecerão com a quase certa vitória do FMLN salvadorenho nas próximas eleições.
Por isso, nós que crescemos sob o signo daquele grande acontecimento e para os panamenhos que tivemos a honra de escutá-la em 22 de agosto passado na Universidade do Panamá, coincidimos com Celia Hart em que : "O futuro da revolução socialista de Cuba deve ser uma das preocupações dos revolucionários de todo o mundo..."porque essa revolução pertence a humanidade inteira.
Panamá, 26 de dezembro de 2008.

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