quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

A rebelião da juventude na Grécia

A rebelião da juventude na Grécia

Em uma das lendas mais conhecidas da mitologia grega, um novo universo é aberto com a revelação dos segredos contidos na caixa de Pandora. A linda filha de Zeus é enviada para a Terra como uma armadilha contra os titãs, em especial Epimeteu. Aproveitando-se da distração de Epimeteu, Pandora abre a caixa, libertando energias e males humanos. Estamos assistindo no presente, um acontecimento de proporções similares a uma "caixa de pandora" nas lutas sociais européias. É a primeira manifestação com contornos insurrecionais e políticos que acontece após a explosão da nova "crise" econômica mundial. E quis a história que fosse a Grécia o palco destes enfrentamentos.

Não querendo entrar em caracterizações ou exageros, apenas temos que chamar atenção para os novos eventos que estão comovendo o mundo e que tem na sua juventude a primeira fileira de combate destas batalhas. Há quase dez dias, por toda a Grécia assistimos manifestações massivas, radicalizadas, ocupações de dezenas de universidades e milhares de escolas secundárias, passeatas, concentrações de categorias profissionais e uma greve geral que paralisou o país. O fato que desencadeou oito dias de manifestações ininterruptas foi a morte do jovem Alexandris Grigoropulus, de apenas 15 anos, no sábado, 6 de dezembro, assassinado pela polícia no bairro popular Exarchia, em Atenas. A morte de Grigoropulus se inscreve na história política do movimento estudantil. Como a de um mártir que consegue expressar a angústia e a atitude de toda uma geração, estando ao lado de Carlo Giuliani (jovem italiano morto em Genova, 2001, em meio aos protestos contra o G8) e mesmo de mártires latinos como o estudante Líber Arce (mártir da ditadura Uruguaia) e nosso compatriota paraense Edson Luís (morto a 28 de março de 1968). Porém, só a indignação pela morte de "Alexis" como era conhecido o jovem grego não explica o fenômeno de levante da juventude; temos que buscar as raízes primeiras deste intenso processo.

O fracasso do governo conservador.

O partido governista grego, o conservador "Nova Democracia", tem uma maioria simples no parlamento (apenas um deputado a mais), encabeçada pelo primeiro ministro Costas Caramanlis. O governo está alinhado com os demais governos conservadores da Europa, como no caso da Itália, Alemanha e França. Entre suas medidas impopulares estão as reformas trabalhista e previdenciária e a venda de importantes estatais como a empresa de transporte aéreo (lembremos que grande parte da economia grega é impulsionada pelo turismo). Por outro lado, alguns escândalos de corrupção em seu ministério levaram a uma brusca queda de popularidade. Com a intensificação da crise econômica, várias fábricas fecharam suas portas, aumentando o desemprego. A desaceleração da economia dos países da região diminuiu os investimentos estrangeiros no setor de serviços do país. Em consonância com a União Européia, o governo da Nova Democracia apelou para um plano de salvação dos banqueiros em seu país, nos moldes do que foi aprovado na Alemanha.

A juventude: uma geração precarizada A principal característica dos recentes protestos gregos é a participação massiva e radicalizada da juventude. Boa parte dos manifestantes tem 15 anos ou menos. A morte do jovem detonou uma indignação acumulada. A chamada geração dos "600 euros" – referencia a média salarial para os empregos precarizados – está farta do modelo de alternância de apenas dois partidos no poder. Por um lado, a Nova Democracia, e por outro o moderado PASOK (Partido Socialista Pan-Helenico), monopolizaram desde a queda da ditadura, em 1974, o poder político, demonstrando estagnação e falta de perspectivas para a juventude.

A luta dentro das universidades também se radicaliza. O governo propôs uma reforma educacional que evidencia mais corte orçamentário e perda de direito à assistência estudantil, jogando o movimento estudantil em pé de guerra contra estes planos. Além disso, os índices de desemprego são ainda mais altos quando tomados na faixa entre 16 e 25 anos.

O levante juvenil começou na madrugada do sábado, dia 6 de dezembro. Rapidamente se espalhou para todo o país, chegando a importantes cidades como Heraklion, Salónica, Hania, além de uma grande concentração, com mais de 20 mil pessoas, em Atenas nos dias 7 e 8. A fúria não parou por aí. Centenas de carros, bancos e estabelecimentos comerciais foram incendiados, os manifestantes cercaram várias delegacias de polícia (algumas foram incendiadas) nas noites que se seguiram. O centro da revolta foram os bairros periféricos de Atenas e a Universidade Politécnica. As manifestações lembraram a chamada "revolta do subúrbio", que aconteceu na França em 2005.

Na quarta, dia 10 de dezembro, uma greve geral parou todo o país.

A tradição de luta do povo grego

O povo grego enfrentou o fascismo na segunda guerra mundial. A resistência armada, composta por milícias operárias e camponesas, conseguiu derrotar Mussolini e seus aliados. Terminada a guerra, na retomada da democracia, Churchill tentava impor um governo monarquista, para evitar a "vitória vermelha". Armado e com valentes combatentes, o ELAS (Exército de Libertação Nacional) combateu contra as forças monarquistas, para a proclamação de uma república popular. A URSS, sob o domínio de Stalin, atuou para isolar as forças revolucionárias, auxiliando a Grã-Bretanha a vencer a guerra civil e restituir, assim, a monarquia.

Com o golpe militar de 1967 foi instaurada a chamada "Ditadura dos coronéis" - tendo a frente Georgio Papadópulos- que seguiria no poder até o ano de 1974. Esta ditadura ficou conhecida como uma das mais cruéis do século XX, deportando, prendendo e matando milhares de opositores. No dia 17 de novembro de 1973, os tanques esmagaram as cercas de ferro da Universidade Politécnica para suprimir um levante estudantil. Acredita-se que pelo menos 40 pessoas tenham perdido suas vidas no episódio. O sacrifício da Politécnica foi tão importante, que se incluiu na constituição da Grécia - criada no período posterior à ditadura - o direito de asilo, proibindo as autoridades de entrar em escolas e universidades.

Em 1985, um novo movimento nacional, em protesto contra a morte de um professor, tomou conta das ruas da Grécia. Desde então, manifestações e ocupações nas universidades são recorrentes no país.

O papel dos trabalhadores

A Greve Geral de 10 de dezembro de 2008 foi a quarta greve do ano. Na paralização anterior, realizada em 21 e 22 de outubro, todos os principais serviços do país foram paralisados em protestos contra a política econômica do governo. Os escritórios da Olimpikus Airlines foram ocupados por centenas de trabalhadores, contra sua privatização. Este ano, uma greve por melhores salários, que durou duas semanas, afetou o sistema de transporte metropolitano de Atenas e arredores.

Neste último processo, apesar da juventude ser a referencia mais contundente, centenas de milhares de trabalhadores tomaram parte, como se verificou na greve geral convocada pelas Centrais sindicais GSEE e ADEDY (que agrupa os trabalhadores estatais).

Do ponto de vista da representação política, várias alternativas começam a ser discutidas. Os socialistas (PASOK), que estavam no governo antes de Caramanlis tentam capitalizar eleitoralmente, pedido "calma" e atuando para esvaziar a greve do dia 10. Apesar de pedir a renuncia do atual primeiro ministro, sua atuação é tímida. O partido comunista, conhecido internacionalmente como "ortodoxo" tem endossado o pedido de renúncia do governo, enquanto desdenha convocações unitárias, chamando seus próprios atos contra o governo. A esquerda anticapitalista está dividida. A maior força, a Coligação da Esquerda Radical (SYRIZA) afirma em um comunicado: "A Nova Democracia não pode continuar no governo na Grécia" (assinado pelo presidente do seu grupo parlamentar, Alecos Alavanos). A coligação defende o fim imediato da presença provocatória das Forças Especiais da Polícia, e a sua dissolução, responsabilizando o governo pela violência. Há organizações menores, mais radicais, que aparecem fragmentadas.

Outro elemento a ser considerado é a conduta de grupos de jovens encapuzados, que atacam de forma indistinta tanto a sucursais de grandes bancos, como pequenos comércios da região central de Atenas. Este método afasta os setores da classe trabalhadora e ameaça com levar ao isolamento do movimento, perdendo o foco da crítica ao governo e levando o debate para outro terreno. Superar esta contradição é, quem sabe, a tarefa mais imediata.

Perspectivas

A possibilidade que está aberta é ímpar: derrubar pela via da mobilização nas ruas um governo conservador, fato novo no contexto europeu - que se repetiu várias vezes nos países periféricos, em particular na América Latina na última década. A revolta pode provocar um contágio em toda a Europa, num contexto onde os estudantes italianos promovem duras jornadas contra a reforma educativa (havia uma greve geral convocada no dia 12/12 pela central CGIL, adiada pelo mau tempo); onde os estudantes espanhóis ocupam diversas universidades contra o "Plano Bolonha" (processo iniciado em 1999 na cidade italiana de Bolonha que prevê a cobrança de taxas nas universidades públicas); os professores portugueses realizam as maiores manifestações da categoria em muitos anos; na Irlanda, mais de 75 mil pessoas se manifestaram no começo de dezembro contra os planos educacionais do atual governo; a Alemanha vive um processo similar.

Os novos ventos que sopram do mar Egeu, porém, terão efeitos positivos se encontrarem uma esquerda capaz de responder aos novos desafios. Contra a Europa do capital é necessário construir uma alternativa de unidade das esquerdas, com caráter anticapitalista e plural. O Novo Partido Anticapitalista (NPA), liderado por Olivier Bensacenot na França pode ser um embrião desta alternativa. Em um momento onde se celebra a retomada de Marx, em meio a mais grave crise do neoliberalismo, a Europa se levanta. 2009 promete. Mas, lembremos que 2008 ainda não acabou.

Israel Dutra
Sociólogo e membro da Direção Estadual do PSOL/RSPorto Alegre,
14 de dezembro de 2008.

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