quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Uma crise além da epiderme do capitalismo

O mundo está às voltas com uma profunda crise econômica. O debate em torno do tema mobiliza a sociedade. A crise é grave, no entanto, houve quem, como o presidente Lula, ousasse chamar os efeitos da crise no Brasil de "marolinha", termo que está sendo gradativamente redimensionado pelo próprio governo, mas que ainda assim está longe de dizer da crise o que ela realmente é.

A situação da economia nos principais países fala por si: quebradeira no sistema financeiro e das empresas com ações nas bolsas de valores, diminuição drástica do crédito, forte diminuição nas vendas, fechamento de fábricas, desemprego recorde, recessão. No Brasil, a realidade não é menos preocupante, como tenta passar o governo. A indústria automobilística está demitindo e dando férias coletivas em massa. Setores exportadores, como a Companhia Vale do Rio Doce, vão no mesmo caminho. A queda na arrecadação de tributos atinge a capacidade de investimentos do próprio estado, estreitando ainda mais a margem de possibilidade de intervenção estatal para tentar contornar a crise.

Seria mais uma crise cíclica conjuntural do capitalismo dentro do modelo neoliberal, nos marcos daquelas que aconteceram no último período, como a crise Russa de 1998? Há um grande consenso em torno do não, pois esta crise atingiu a principal economia do planeta, os Estados Unidos, corroendo a raiz do modelo de acumulação capitalista das últimas décadas, que alicerçava e alardeava o regime do capital como último estágio possível da organização econômica, política e social da espécie humana, como chutou descaradamente Francis Fukuyama, o "teórico" do fim da história, do alto dos escombros do Muro de Berlim.

Esta crise vai bem além e penetra profundamente no ambiente político e ideológico da sociedade. Para ser compreendida como ela realmente é, além de suas causas e efeitos econômicos, precisamos colocá-la numa perspectiva histórica, contrastando-a com os esforços feitos anteriormente, principalmente no século passado, para se encontrar um modelo econômico que garantisse ao mesmo tempo o lucro capitalista e um mínimo de estabilidade política entre os principais atores do mercado mundial na rapina das riquezas do planeta.

Nesse esforço literalmente de guerra, a sociedade mundial já viveu a experiência que podemos chamar, grosso modo, de ortodoxia liberal, até amargar a grande crise de 1929. Em seguida experimentou a hegemonia do modelo Keynesiano e o Welfare State (estado de bem estar social), em que as principais economias aderiram à forte intervenção do estado na economia. Viveu recentemente a hegemonia neoliberal, a partir da crise do modelo keynesiano e do Welfare state, escancarada com a crise do petróleo de 1974, em que a ortodoxia liberal, repaginada, voltou gradativamente à condição de paradigma das principais e da maioria das economias do mundo.

Em palavreado simples, nos últimos 100 anos, o deus mercado já ficou solto, já ficou meio "preso", ficou solto de novo em outro contexto histórico e tecnológico, e o resultado sempre foram guerras, crises, instabilidade e, dado novo nesta crise, destruição desnecessária da natureza, dos nossos ecossistemas. Na falta de um plano estratégico comum, de um novo paradigma, os governos capitalistas dos principais países, diante do desmoronamento flagrante do mercado, estão se virando como podem, mas todos estão disfarçadamente estatizando parte de suas economias, com socorro a bancos, montadoras, pacotes bilionários de dinheiro público para setores privados não quebrarem.

De uma hora para outra a liberdade e a eficiência do deus mercado, tão alardeada nas propagandas de privatização do período neoliberal, trocou seu rugido triunfante e arrogante por um gemido envergonhado, sem força, o suficiente apenas para pedir esmola aos cofres públicos. Nem de longe lembra aquele que se negou a admitir as tímidas e insuficientes metas do Protocolo de Kyoto, que inviabilizaria sua suposta vital importância para o funcionamento da economia e consequentemente da sociedade, que hoje se pergunta: foi para funcionar este mercado lastreado em ficção, hoje moribundo, que colocamos nosso planeta em risco?

É por isto que esta crise vai além da epiderme do capitalismo, porque remete a sociedade, ou pelo menos o conjunto de sua massa crítica, a repensar o próprio capitalismo. Não por acaso figuras como Karl Marx, pensador alemão do século XIX, responsável pela crítica mais profunda e bem elaborada sobre os limites e efeitos da anarquia da produção capitalista sobre a sociedade, está novamente entrando na pauta das grandes discussões sobre o futuro da nossa civilização. Entender cientificamente a lógica do funcionamento do capitalismo é fundamental para analisar corretamente as causas estruturais de seu esgotamento sistêmico e, principalmente, apontar alternativas para o futuro.

As alternativas minimamente racionais a esta crise encontram-se no campo da forte regulamentação dos mercados e no planejamento estratégico e solidário entre as nações, na construção cultural de outros padrões de consumo, tendo o respeito à vida e ao planeta como elemento definidor das prioridades no campo econômico e a liberdade e a democracia como princípios intocáveis.

Óbvio que os grandes detentores de capital buscarão, como sempre, impor alternativas em que a manutenção e ampliação dos seus lucros venham em primeiro lugar, nem que para isso tenham que provocar novas guerras e intensificar a destruição da vida na Terra. Esta é uma luta antiga, uma luta entre classes, entre parasitas de um lado e os reais produtores de riquezas, a natureza incluída, de outro. Contudo, nesta quadra histórica, com a certeza dos males que a anarquia da produção capitalista traz para a humanidade, para o planeta, e com tanta socialização de informações por conta das ferramentas de comunicação disponíveis, está mais claro, para muito mais pessoas, de que lado está a razão.

Edilson Silva é Presidente do PSOL/PE e membro da Executina Nacional do P-SOL.

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